quarta-feira, 7 de março de 2012

Textos novos

Textos meus na Cinética sobre J. Edgar e Cavalo de guerra. Um grande filme sobre um grande filho da puta; e uma grande filha da putagem de cinema.


http://www.revistacinetica.com.br/jedgar.htm


http://www.revistacinetica.com.br/cavalodeguerra.htm

terça-feira, 6 de março de 2012

Expressionismos



“Lang en est arrivé à ce point de maîtrise ou la description de chaque personnage, , l’èvolution globale de l’intrigue mais aussi um très grand nombre de plans isolés contiennent intégralement son propos. Ainsi ce plan où Joan Fontaine examine les photos calcinées devant um décor de façade grisâtre (...). On est ici plongé dans um univers à la Metropolis, mais normalisé, banalisé et néanmoins complètement asphyxié”.

Lembrei de outro filme, e não de Lang; reparem nas janelas ao fundo...Nosferatu ( Murnau); Beyond a reasonable doubt ( Fritz Lang). 1922, 1958. Expressionismo ( s ). Da rapsódia romântico-alegórica à abstração funcionalista; de Munch a Le Corbusier e Hopper. De Nosferatu a Beyond a reasonable doubt; uma longa história...a longa história de “rarefação, relocação e des-figuração” de um mesmo fantasma ( bye bye, Freud!).


sábado, 3 de março de 2012

Daisy


Belo filme fúnebre. Como Morte em Veneza, Cronaca familiare, Tristana, Restless ( Van Sant), nasce ( como aqui) ou morre ( como nos outros) numa seqüência de planos que inventariam espaços vazios ( o hotel), por onde uma presença deixou um rastro... é a radicalização do plano fúnebre empreinte (pegada) de Bazin: o plano como um monumento fúnebre à presença que se esvaiu, arrebatada pela temporalidade da sequência... Em toda sequência, aliás, temos um personagem ( o castelo incluso) se despedindo, visado e abandonado pelo contracampo de um Outro que se despede... os espelhos nos bailes, o aquilino olhar da hostess invejosa, o cocheiro que contempla a partida do casal, o guia que os introduz ao castelo... Bogdanovitvh centra a câmera no olhar “do que fica”: ruse cognitiva e fenomenológica. Se a princípio temos a idealização do rosto de Daisy ( campo versus contracampo em eixos enviesados, opondo o perfil de Miller à frontalidade bovina do seu observador), esta fixação da presença erótica num cadre ideal e subjetivo se dissemina por todo o filme, pervertendo-o em um doloroso good bye ao cinema clássico, cinema que se empenhou em eternizar presenças- frontais e fatais, Fatale Beauté. A despedida de Daisy- na carruagem, quando seu close primaveril se ulcera numa drástica borrasca de plano geral, que já antecipa a morte iminente- é o contraponto-rima à visita ao castelo ( Ela pediu que você se lembrasse do castelo!). O próximo se torna distante, a experiência In memoriam... E o arrebatado travelling traseiro final sobre o dandy tumefacto de variola pectoris também o transforma em um fantasma- uma “imagem”, cromo ideal à distância-, à imagem e semelhança do que do que seu olhar predatório impusera a Daisy ( ressentimento audaz da criança no enterro, ao olhar para o homem)... Outro dia estava revendo um precioso bônus da Criterion em Vivre sa vie: Jean Narboni citava O retrato oval de Poe como fonte inspiradora do filme de Godard. A rigor, o récit de Poe é um destes tantos “estudos de caso” decadentistas que linkam a Morte à representação, a Imagem à aniquilação ( Dorian Gray, À rebours...). No conto, um pintor se esmera em retratar sua amada da forma mais escrupulosa possível; e tanto se esforça em sua tara mimético-idealista que acaba por matá-la; na pincelada final, a mulher está morta...mesmo caso aqui: Daisy é transformada numa “imago” pelo contracampo do olhar enamorado; o filme segue o mesmo mortífero percurso... a idolatria cobra um eterno e abissal preço. Ainda hoje. O conto “travesti” crônica de costumes de Henry James se revela um outro gamão entre fantasmas.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Terroristas


Dos meus Yangs favoritos. Dos meus filmes favoritos. Lembro de ter visto Terroristas em LD com legendas em mandarim, vhs ( divx) sem legendas, dvd com legendas em inglês, e finalmente ontem sem legendas nem som, pois o dvd tá sem o controle. Em todas, a mesma e outra impressão de que um mundo radicalmente novo se me era revelado. Nos filmes de Yang, o termo décor é um agnus dei que serve a duas divindades, reversas e complementares: o espaço real, capturado pelo plano e organizado no découpage; e o espaço mental do personagem, captado no plano, excentrado pelo découpage e esquizamente distribuído pela “cadeia de produção” do faux-raccord.

Temos um expressionismo que compreende- ao contrário do expressionismo naïf, sirigaito- que em cinema, esta arte onde o mundo sempre “me precede”, o “meu mundo” ( cosa mentale, mas sem sfumato) só pode aparecer se for “mediado e introduzido” pela visão do mundo, tout court. O espaço do plano é esquizo, mão dupla reversível do contracampo ao próximo campo: ele nos dá o mundo a conhecer, mas “concebido” pelo olho do personagem ( no recorte do plano e no découpage); como concepção ( Yang “também” é um artista conceitual).

Ao mesmo tempo, este mundo “concebido”, assimilado e expresso (como quem diz: cuspido de volta) pelo personagem “passou” pela visão telescópica do mundo real ( os panorâmicos e contemplativos planos gerais), pelo mundo que precede nosso olhar- e que aqui nos olha de volta, como em todo bom punheteiro aurático. É um expressionismo - ex-pressão, exteriorização na matéria do daimon interior, presença do personagem no décor e como décor-, mas clarificado e revitalizado por um classicismo- uma visão panorâmica e frontal das coisas, em seu (nosso) irrecuperável novo mundo. O classicismo aqui vira o mestre de cerimônias do Sturm und drang; o mundo, o hostess da consciência.

ps:

E um outro filme genial que faz coisa muito parecida – sobretudo nesta relação entre classicismo e expressionismo, Distância/transparência versus Sturm und drang, e na forma como estes links são feitos e desfeitos pelo faux-raccord- é este aqui, ó:

http://www.youtube.com/watch?v=YWUfw501P6o


quinta-feira, 1 de março de 2012

O impossível face a face






Vento e areia. Cinco outras parabolazinhas pedagógicas ( Sjöstrom, Murnau, Lang, Nicholas Ray, Albert Lewin): como um ente finito pode afrontar o Infinito, e não se queimar? “No combate com o mundo, aconselho-te a tomar o partido do mundo”, Kafka, Diários. No cinema, este confronto impossível se torna, se não vitorioso, pelo menos presente. Consumatum est.( João, 19, 30).

O Tigre e o comichão


... não por acaso revendo O tigre de Bengala e... na minha cabeça, o filme era hierático e vertical. Apenas. Mas no interstício deste campo e contracampo que celebra as aparências “ao fixá-las como ícones”- ou seja, matando-as-, há um jogo, tão sinuoso quanto as panorâmicas de Buñuel, entre os corpos e o espaço- os corpos entre os espaços, as distâncias e as proximidades, as oclusões e as expansões; e do espaço enfim visado como um corpo entre outros, fluido e poroso. Pergunto-me se o ponto de vista que nos proporciona este espetáculo osmótico de transições e trocas não seria o de uma ziguezagueante serpente, encerrada entre as brechas do templo. Retomando o paralelo com Buñuel: o que se convenciona determinar como clássico- “claro e distinto”, retilíneo e conseqüente como uma hipótese cartesiana, e faço aí muita injustiça a Descartes, homenzinho sumamente esquisito que antecipou Becket, Francis Bacon e Deleuze com seus corpos muito particulares- é aí “pervertido” pela indicação, nas frestas da mise en scène petrificada, do trabalho do tempo- ou do tempo como um “trabalhar”-, que esboroa tudo, inclusive os defuntos valores (e imagens) que o filme parece esposar. Se a serpenteante pan de Buñuel é o caminho oblíquo e sibilante da pulsão, aqui a câmera se torna o avatar do demoníaco- canção de Gesta envenenada destas forças que jazem sob nós, nutrem-nos, masturbam-nos para, num coup de théatre fatal e certeiro, bela noite cariciosamente nos devorarem. Algum alemão maluco chamou a Morte desta “inflexão curvilínea de volta ao útero”. É, o Fim reencontra o Príncípio. E o Princípio já era o Fim. No fundo, são a Mesma e Outra, opalescente e nacarada, cantiga de Nada que acalanta nossos caríssimos demônios- livros e degolas, sonatinas e arquejos, Fúrias e serafins, Madoninas ebúrneas e vamps marmóreas. Esta barcarola – Liebestod encarnado num gesto e num sexo- eu escuto aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=cev78glZiKg


A woman

http://www.youtube.com/watch?v=HGvJS5Pkx3Q


Vejam Chaplin travestido neste A woman de 1915. Ele se mira no espelho da câmera- que é nosso olhar- para ver como ficou. ( 16:44 em diante). Não, não é um mero clin d’oeil de ator de Molière. A câmera é designada enquanto tal: Ele quebra a quarta parede! O que Pasolini, autor com confessa e visível influência chapliniana, faria em 69, na cena do confronto entre Léaud/Wiazenski (Porcile)- quando Wiazenski , de pé, abandona a posição à direita onde estivera no plano frontal e fixo e se dirige para a esquerda “fora” do quadro ( e a câmera a segue!), Chaplin já o faz em 1915. Olha, vou te contar: estes “clássicos” a cada vez me fazem refletir que os críticas são uns babys mongos mimados, tentando suscitar/inferir oposições conclusivas, sincrônicas, cronológicas e sobretudo “arbitrárias” sobre a representação...palmada nestes derrières!


The bank

http://www.youtube.com/watch?v=TIQR7j87Gis


Não é só a posição da câmera-“mostrar”, comme il fault-, mas o escalonamento variável das distâncias entre a câmera e o vagabundo ( proletário aqui) que é conclusivo. Dependendo da distância, o gesto ora se expande, ora retrai-se, ora parece fortuito, ora predatório, ora jubila ora massacra. Chaplin nestes curtas geniais imprime à pantomima o caráter de um catalisador demoníaco das forças que saturam o espaço; estas mesmas forças en sursis que logo tomariam o primeiro plano da cena, sob a forma calcinada dos cadáveres da Primeira Guerra Mundial. Além dos prodígios com os limites do cadre ( que compartilha com Griffhth), é a secura e a crueldade que tornam seus curtas ainda tão presentes. Verdadeiros Sades hors boudoir; jeu de massacre puro. Os sentimentais morrem cedo: de Harry Langdon, só Lang pants restou.